O campo magnético medido na superfície da Terra é
resultado de diferentes fontes: o campo gerado no núcleo, o campo induzido na
crosta e no manto e aquele gerado externamente pelo Sol. Os geofísicos podem
desenvolver novas ideias tanto sobre o interior do nosso planeta, quanto sobre
o ambiente espacial, sem mesmo sair da superfície terrestre, usando dados de
observatórios magnéticos.
A Terra e o Sol estão separados de cerca de 150
milhões de quilômetros, entretanto há uma forte conexão entre eles pelo fluxo
de energia do Sol, que sustenta e permite a existência da vida na Terra. Mas
apesar de todos os benefícios do Sol, ele também é capaz de causar prejuízos
para a humanidade. O desenvolvimento de equipamentos acima da superfície
terrestre é vulnerável a efeitos mais imediatos da variabilidade do sistema
Sol- Terra. Neste tópico do curso explicaremos como o campo externo varia no
período de dias e quais são os prejuízos possíveis no caso de tempestades
magnéticas.
Variação Diurna do Campo Geomagnético
A variação do campo magnético externo no período de
dias é chamada de variação diurna, sendo caracterizada como “calma” (ou em inglês Sq de
“solar-quiet”) quando o campo magnético não é perturbado pela atividade solar.
A variação diurna pode ser interpretada como uma superposição de ondas com
períodos de 24 e 12 horas com uma amplitude da ordem de algumas dezenas de nT,
seguindo o horário local. Estas variações são mais intensas no decorrer do dia
e insignificantes durante a noite. As correntes elétricas responsáveis pela
variação diurna estão localizadas na região mais condutiva da ionosfera,
chamada região E (entre 90 e 120 km).
A variação diurna é diferente para cada latitude
(Figura 1). Note, por exemplo, que o magnetograma de Huancayo (Peru) possui uma
variação diurna mais intensa do que os demais observatórios. No lado diurno da
Terra, há uma faixa de aproximadamente 5o na região do equador magnético na
qual ocorre um separação de cargas na ionosfera e um movimento na direção
leste- oeste destas cargas. Com isso, há um fluxo concentrado de corrente
elétrica no lado do dia nesta região do equador magnético, causando uma
variação diurna mais pronunciada nos observatórios desta região, como é o caso
de Huancayo.
MÓDULO 3.3: TEMPESTADES MAGNÉTICAS E SEUS EFEITOS NAS
COMUNICAÇÕES
Figura 1. Variação diurna da componente horizontal do
campo geomagnético (H) registrada em cinco observatórios com diferentes
latitudes magnéticas, que são medidas de acordo com o dipolo terrestre
inclinado de 1.5o em relação ao eixo de rotação terrestre. Os dias do ano
correspondem aos dias 8 de outubro (281) até o dia 12 de outubro (286) de 2003.
Características das Tempestades Magnéticas
Von Humboldt, em 1808, foi o primeiro a descrever
períodos ocasionais durante os quais medições magnética na superfície terrestre
apresentavam variações muito intensas, rápidas e irregulares do campo
geomagnético, diferentes das observadas nos dias calmos. A estas variações ele atribuiu
o nome de tempestades magnéticas.
As tempestades são causadas por ejeções abruptas ou
de alta velocidade do plasma solar, que causam um estado de alta dinâmica na
magnetosfera, dependente do tempo. A ejeção de massa coronal do Sol impulsiona
bilhões de toneladas de partículas carregadas através do vento solar com
velocidade de três a quatro vezes maior do que a velocidade normal.

Nas tempestades há diferentes fases: a fase inicial
(I) é aquela na qual há o registro de um abrupto impulso resultado da
compressão da magnetopausa pelo vento solar e da conexão magnética (veja item
3.2 deste curso). A fase seguinte, chamada de principal (P), é caracterizada
por uma diminuição da intensidade da componente H em baixas latitudes,
resultado da corrente em anel (veja ítem 3.2 deste curso). A corrente em anel
para oeste gera um campo magnético para o sul no seu interior. Como este campo
gerado aponta na direção oposta ao campo magnético dipolar da Terra que aponta
para o norte, esta corrente tende a diminuir a intensidade do campo magnético
horizontal (H). A fase seguinte é chamada de fase de recuperação (R) na qual a
corrente em anel diminui e retorna aos níveis de H, em baixas latitudes, de
antes da ocorrência da tempestade (Figura 2). Apesar destas características
gerais, cada tempestade magnética tem sua própria e única característica.
Uma tempestade magnética pode durar desde algumas
horas até alguns dias. As chamadas sub-tempestades apresentam durações mais
curtas do que as tempestades magnéticas. A causa e efeitos das sub-tempestades
é controversa, mas de modo geral acredita-se que são resultantes de um acúmulo
de energia na cauda da magnetosfera que é liberada de uma só vez e um posterior
desvio das correntes elétricas ao longo das linhas do campo geomagnético. Como
resultado, ocorrem as auroras em altas latitudes. Mais detalhes sobre as
auroras serão apresentados no próximo tópico do curso.
Figura 2. Dados de oito observatórios magnéticos
mostrando a intensidade da componente horizontal (H) durante a tempestade que
ocorreu do dia 28 ao dia 31 de outubro de 2003. Os magnetogramas estão
organizados por longitude em observatórios de baixas latitudes (vermelho) e
altas latitudes (azul) . Os círculos indicam anticorrelação entre locais de
altas e baixas latitudes, que são sub-tempestades. As fases da tempestade
magnética são mostradas abaixo (em verde).
Há vários índices magnéticos para a análise de
diferentes características do campo geomagnético. O índice Dst (“Disturbed
Storm Time”) caracteriza tempestades magnéticas e é calculado para quatro
observatórios magnéticos localizados em relativamente baixas latitudes: Kakioka
(Japão), Hermanus (África do Sul), Honolulu e San Juan (Estados Unidos). A
ideia é que estes observatórios são bons representantes do aumento da corrente
em anel na magnetosfera. Este índice é calculado retirando-se a influência do
campo do núcleo (variação secular) e da variação diurna regular. Desta forma, o
índice Dst representa somente o distúrbio causado pela tempestade, calculado a
cada minuto. Uma representação esquemática do índice Dst durante a ocorrência
de uma tempestade magnética é mostrada na Figura 02.
Tempestades magnéticas e o ciclo solar
Se observarmos médias mensais da componente
horizontal (H) em observatórios magnéticos, nota-se que as tempestades solares
são moduladas em fase com o ciclo solar. Os picos no desvio padrão durante, por
exemplo, os anos de 1921, 1941 e 1989 correspondem a grandes tempestades
magnéticas (Figura 3).
A descoberta de que tempestades magnéticas ocorrem
mais provavelmente durante períodos de máximo solar e menos durante períodos de
mínimo solar, foi uma das mais importantes descobertas na história da física
espacial (Figura 4). Esta descoberta foi feita em 1852 por uma astrônomo inglês
Edward Sabine, que cuidadosamente analisou longas séries temporais de dados
coletados por observatórios magnéticos, incluindo um localizado, na época, em
Toronto.
Campo magnético induzido
A variação do campo magnético no tempo é sustentada
por correntes na ionosfera e magnetosfera que induzem correntes elétricas na
crosta, oceanos e manto. Correntes induzidas na crosta por tempestades
magnéticas podem causar transtornos para a rede elétrica de indústrias, já que
as correntes podem atingir transformadores pelas conexões existentes no solo.
A profundidade na qual estas correntes induzidas
penetram no solo depende da condutividade elétrica da sub-superfície e da
frequência na qual ocorrem as variações do campo magnético terrestre. Por
exemplo, variações magnéticas com períodos variando de segundos a dezenas de
minutos, penetram na crosta cerca de 20-100 km.
Há levantamentos magnéticos regionais para estudar a
estrutura de condutividade elétrica de sub-superfície de diferentes regiões.
Neste tipo de levantamento, os sensores medem tanto o campo magnético quanto as
correntes elétricas
Figura 4. Atividade magnética controlada pelo Sol. Em
(a) o desvio padrão das médias mensais no componente horizontal (H) medido em
observatórios da Alemanha. Em (b) as medias do número de manchas solares.
Figura 3. Esquema do índice Dst durante uma
tempestade magnética típica.
induzidas na crosta. Uma análise mais qualitativa
sobre a indução magnética pode ser obtida por um dado de observatório
magnético. A Figura 5 mostra magnetogramas de quatro observatórios que
registraram uma grande tempestade magnética.
Cada um dos observatórios mostra uma variação similar
na componente horizontal do campo (H). A maior parte deste sinal é a assinatura
magnética de grande escala, determinada pelo sistema de correntes na ionosfera
e magnetosfera sustentados durante uma tempestade magnética.
Em contraste, um magnetograma mostrando a componente
vertical (Z) varia significantemente para cada local, devido as diferentes
estruturas de condutividade elétrica em sub-superfície. Note,
por exemplo, que os traços de Z para dois observatórios na Espanha (Figura 5):
San Pablo Toledo (SPT), no centro da Espanha, e Ebro (EBR), na costa são bem
diferentes. A maior parte da variação em Z no magnetograma de Ebro vem das
correntes elétricas induzidas no mar Mediterrâneo. Como a água salgada dos
oceanos é uma boa condutora de corrente elétrica, comparada às rochas e
sedimentos, os observatórios em regiões costeiras produzem heterogeneidades
locais de condutividade. Como resultado há uma resposta eletromagnética
complicada nos dados de observatórios. Mas variações em Z também podem refletir
diferenças na geologia local. Dois exemplos são os observatórios mostrados da
Itália e Romênia: notase que o registro da Romênia é mais complexo, refletindo
uma formação rochosa com maior condutividade comparada às rochas da Itália
(Figura 5).
Exemplos de tempestades magnéticas e seus prejuízos
para os seres humanos
Quando erupções solares ocorrem, partículas
energéticas podem penetrar na atmosfera terrestre e danificar sistemas
tecnológicos espaciais, assim como prejudicar a saúde de astronautas e
passageiros de aeronaves nas regiões polares. As erupções solares podem também
ameaçar a segurança dos países quando distúrbios ionosféricos interrompem
navegação e comunicação por satélite.
O gerenciamento das frequências de comunicação se
baseia no conhecimento da densidade de elétrons na ionosfera, que depende criticamente
da atividade solar. As flutuações na densidade atmosférica, controladas pelo
Sol, também podem alterar as órbitas das dezenas de
Figura 5. Variações do campo magnético que revelam
diferenças na condutividade elétrica da sub-superfície. Os magnetogramas
registram o campo de 20 a 21 de novembro de 2003 em observatórios na Europa com
as longitudes especificadas na figura. A variação da intensidade horizontal (H,
em azul) é controlada pela tempestade magnética na magnetosfera. Diferenças
laterais na componente vertical (Z, em vermelho) são devido a correntes
elétricas induzidas na crosta e oceano.
milhares de objetos em baixa órbita terrestre. Além
de todos estes problemas, as tempestades magnéticas podem induzir correntes
elétricas no subsolo e causar problemas em redes elétricas.
A tempestade magnética que ocorreu nos dias 1 e 2 de
setembro de 1859 é chamada de “tempestade de Carrington” em homenagem a Richard
Carrington que foi um dos astrônomos que observou uma erupção solar que iniciou
o evento. Uma forte tempestade magnética iniciou 17 horas depois da erupção e
continuou aproximadamente por 36-48 horas. Em Mumbai, na Índia, foi registrada
uma depressão de cerca de 1600 nT no campo observado, devido a esta tempestade.
Esta é uma perturbação enorme para uma estação que está em baixas latitudes e
até hoje é um tópico de discussão entre os especialistas da área. Durante esta
tempestade, auroras foram observadas até mesmo em baixas latitudes
geomagnéticas de 20o.
Esta erupção solar induziu fortes correntes elétricas
em sistemas de telégrafo da época. Estas correntes induzidas queimaram os cabos
de telégrafo dos Estados Unidos e causaram grandes incêndios. A “tempestade
magnética de Carrington” é atualmente usada como o grande exemplo de condições
extremas do clima espacial.
A tecnologia daquela época ainda era restrita,
comparada aos dias de hoje, onde temos satélites e uma ampla rede de energia
elétrica. Uma questão muito discutida é o que aconteceria atualmente se uma
tempestade desta magnitude atingisse a Terra? Um grupo de estudos espaciais dos
Estados Unidos (“Space Studies Board”) estimou que o prejuízo para a rede
elétrica dos Estados Unidos seria enorme, com um impacto econômico na escala de
um ou dois trilhões de dólares. Não há uma razão científica para excluir a
possibilidade de um grande evento como este ocorrer. Entretanto, não é possível
prever se quando poderia ocorrer.
Outros eventos intensos de tempestades magnéticas,
mas menores do que a tempestade de 1859, ocorreram em 1956, 1986, 1989 e 2003.
Nos eventos de 1956, 1986 e 1989 não foi possível medi-los com sensores em
satélites, por isso há limitações nas informações, como por exemplo, sobre
variações do vento solar. A era das medidas por satélites relacionadas a este
tema, iniciou na década de 90. Por isso o evento de 2003 foi melhor documentado
do que os demais.
A tempestade magnética de 1956 apresentou um dos mais
intensos valores de fluxos de radiação observados instrumentalmente em estações
na superfície terrestre. Entretanto, este evento não foi associado com uma
forte atividade magnética, ou seja, a tempestade magnética não foi tão intensa.
Este tipo de tempestade poderia causar efeitos críticos em sistemas
eletrônicos.
A característica mais interessante da tempestade de
1986 foi sua ocorrência próxima a um mínimo solar. Esta tempestade mostrou que
o ciclo solar influencia somente estatisticamente na frequência de eventos
severos, indicando que os eventos acontecem raramente durante mínimos solares,
mas que há esta possibilidade.
A tempestade magnética de 1989, foi o evento mais
intenso das últimas dezenas de anos. Esta grande tempestade induziu correntes
no solo, causando um “blackout” (ou apagão) em Quebec, Canadá. Esta tempestade
magnética também causou interrupção na órbita e operação de satélites.
A tempestade magnética de 2003, também chamada
tempestade magnética do “Halloween” foi o maior exemplo de consequências para
aeronaves e satélites, já que nesta época estas tecnologias estavam plenamente
desenvolvidas. Muitos problemas com operações espaciais foram reportados, como
por exemplo, perda de dados devido a interferência nos sensores de satélites.
Também houve uma considerável interferência em comunicações de rádio de alta
frequência, especialmente em regiões polares. Alguns voos nestas regiões
tiveram que ser redirecionados, assim como usar suas comunicações de reserva.
Problemas nas redes elétricas do norte da Europa e África do Sul foram
reportados, principalmente quanto ao super-aquecimento de transformadores.
A Figura 2 mostra a intensidade horizontal
(H) nos magnetogramas da tempestade de 2003, que foi
iniciada por uma ejeção de massa coronal associada com um grande grupo de
manchas solares. A tempestade “Halloween” possui uma característica incomum, já
que possui duas fases principais, cada uma seguida por um período de
recuperação.
A curiosidade científica e a utilidade para a
sociedade clamam por uma melhor compreensão sobre o sistema Sol-Terra. Mesmo as
pequenas mudanças na energia que flui do Sol pode ter uma ampla faixa de
efeitos, desde mudanças climáticas até problemas na comunicação por satélites.
Com um melhor conhecimento sobre o sistema Sol-Terra
algumas questões serão respondidas, como por exemplo: será que uma erupção
solar poderia ser mortal para astronautas ou causar problemas irreversíveis em
instrumentos? Será que os problemas causados em navegação e comunicação por
tempestades solares podem comprometer a segurança na Terra? Poderemos no futuro
prever estes efeitos?
A compreensão sobre os fenômenos envolvendo tempestades
magnéticas é fundamental para reduções de riscos. As tempestades magnéticas
interferem em levantamentos magnéticos crustais com objetivo de mapear e
explorar minérios, assim como causam interferências em sistemas de orientação
magnética usados para perfuração direcional (veja mais no módulo 4). A
comunicação de longa distância por rádio pode ser dificultada durante uma
tempestade magnética, assim como a precisão de sistemas de posicionamento
global (como o GPS) pode ser reduzida. No espaço, a eletrônica de satélites
pode ser danificada e a orbita de satélites modificada. Astronautas e pilotos
em altas altitudes podem estar sujeitos a um aumento da radiação.
Dados de observatórios magnéticos em tempo real podem
ser usados como um monitoramento do clima espacial de baixo custo. Dados
históricos de observatórios permitiram estudos estatísticos de como as
tempestades estão distribuídas temporalmente e quão intensas elas podem ser.
Devido ao risco potencial nas atividades e infra-estrutura de nossa sociedade
moderna, baseada em novas tecnologias, o governo federal dos Estados Unidos
apoiam o programa nacional de monitoramento do clima espacial. Programas
similares existem no Japão e na Europa.
Referências Bibliográficas e fontes dessas
informações e creditos :
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Paleomagnetism, the core and the deep mantle. Academic Press. Volume 63.
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Editores: Gubbins, D. & Herrero-Bervera, E., Springer, p. 404- 406.
Fontes das Figuras
Figuras 1, 2, 4 e 5: Love, J. J., 2008. Magnetic monitoring of Earth and space.
Figura 3: Lester,
M., 2007. Magnetic storm and substorms.